ARTIGO: Brasil: do grão à ideia. Da terra à transformação.
Eu só quero chocolate…
(Mas com origem, história e protagonismo brasileiro.)
O chocolate é praticamente um embaixador da Suíça, um símbolo nacional que derrete o mundo inteiro pelo seu sabor. E tudo isso, curiosamente, sem plantar um único pé de cacau.
Consegue imaginar a Suíça sem chocolate? Difícil.
Pensa nos Alpes frios, estéreis de calor e afeto, com pessoas precisas demais e sobremesas de menos. Um país que faz relógios, mas que não sabe a hora certa de quebrar a dieta.
Mas aí vem o detalhe que quase ninguém lê na embalagem: o chocolate suíço é, na verdade, cacau latino, brasileiro, africano, equatorial.
Germinado sob sol forte, suor humano e histórias que não cabem no verso de uma caixa dourada.
Foi o comércio de alimentos durante as grandes navegações que realmente misturou o mundo.
Quando os europeus cruzaram o Atlântico, trouxeram cruzes e doenças, e levaram algo mais valioso: sabores que redefiniriam culturas inteiras.
A batata dos Andes virou a alma da cozinha alemã.
O tomate do México temperou a alma da Itália.
A mandioca virou pão na África.
O cacau, que já era sagrado para os maias e mexicas, virou bombom, barra, cascata e ovo de Páscoa nas vitrines do mundo todo. E mais recentemente, virou luxo nas prateleiras de Dubai.
O paladar global é um espelho da nossa história colonial, só que polido com açúcar, storytelling e embalagem metalizada.
E é por isso que o chocolate é mais do que um doce: ele é sobremesa do poder, da apropriação, da memória embalada à vácuo.
Só que agora, o mapa mundi derrete.
O aquecimento global está redesenhando a geografia do agro, e o futuro do cacau (e de tudo o que a gente ama comer) já não é tão doce assim.
Na Fruitlogistica, em Berlim, o maior evento de frutas do planeta, ouvi de um produtor de maçãs chileno:
“Perdi 25% da safra por causa de um único grau a mais na média da temperatura durante o ciclo da frutificação. E com a queda na qualidade dos frutos, a receita despencou 50%.”
Um grau. Só isso. Parece pouco, mas é como uma febre de 38,5°C no corpo do planeta: ela pode ser silenciosa, mas cobra caro.
As áreas tradicionais de cultivo estão febris.
As árvores sagradas do cacau estão, literalmente, sem paciência com o clima. E novos polos de produção, antes improváveis, surgem em regiões onde antes só se plantava desconfiança.
O terroir está no divã.
O clima da terra está sendo cotado nas Bolsas de valores.
Mas aí entra o Brasil.
Sol, solo e biodiversidade a perder de vista.
O país que já exportou ingredientes, mas com pouco protagonismo na indústria.
Chegou a hora de virar o jogo:
Produzir o cacau. Transformar em chocolate. Embalar com origem. Contar história com propósito. Inovar, sim, e inovar é transformar.
A indústria da transformação é o novo território do Agro.
O agro brasileiro não pode mais ser só fornecedor de matéria-prima: tem que ser autor da narrativa, protagonista da criação, dono da barra e do rótulo.
A pergunta hoje não é mais “ao leite ou meio amargo?”
É: De onde vem o que você come? E quem está contando essa história?
Talvez a gente esteja vivendo agora o que os maias já sabiam:
o cacau é uma dádiva, mas também um alerta.
Que essa barra siga derretendo na boca…
não no planeta.
Afonso Abelhão é CEO da agência BigBee e Presidente da APP Brasil
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